Ives Gandra Martins
Há cinco reformas necessárias para diminuir o custo do Brasil e voltar o país a ter competitividade, a saber: a política, a administrativa, a trabalhista, a previdenciária e a do Judiciário.
Todas as manifestações dos últimos tempos, em que as pessoas sabem o que não querem mas não sabem o que querem, e o que pensam querer não sabem como fazer, são a prova inequívoca de que há algo que não vai bem, no governo e no país.
A maioria do povo que vai às ruas pede transparência, honestidade no trato da coisa pública e reformas. Abstraio os vândalos, que deveriam ser detidos, de imediato, sendo-lhes aplicada a lei penal vigente.
Tanto o governo como o Congresso não perceberam a mensagem ou fingiram não perceber. A presidente propôs um plebiscito, que o povo não pediu. O Congresso criou uma Comissão de Reforma Política sem consultar a sociedade. O resultado esperado foi, nas pesquisas posteriores a estas iniciativas, o repúdio da opinião pública, com idênticos índices de repulsa, antes e após a realização das mesmas.
Haveria necessidade de uma reforma administrativa para reduzir o peso da adiposa e esclerosada máquina pública, a começar no âmbito federal. Uma reforma tributária para eliminar a guerra fiscal de estados e municípios, e para simplificar o sistema tributário também seria imprescindível. A Comissão do Senado de que participei – eram 13 especialistas – propôs 12 anteprojetos de emendas constitucionais, leis complementares, ordinárias e resoluções do Senado que jazem, em berço esplêndido, nos armários do Congresso. E, ainda, de rigor uma reforma trabalhista para nivelar o país às economias mais competitivas do planeta, assim como a reforma previdenciária – já em andamento –, para equalizar os cidadãos de primeira categoria (aposentadorias integrais – servidores públicos) e de segunda categoria (cidadãos comuns – 10 salários mínimos no máximo), em patamar que não viesse a implodir o sistema.
A reforma do Judiciário é outra medida que se impõe, a começar pela exigência de que todos os assessores de ministros, que auxiliam na elaboração dos votos, sejam concursados para esta função, de preferência juízes. Não deveriam ser escolhidos livremente, algumas vezes sem a qualificação necessária ou sem independência, por pertencerem à Procuradoria da Fazenda Nacional, procuradorias das fazendas estaduais, o que compromete a imparcialidade, quando União ou estados são parte nos processos.
Quanto à reforma política, na Comissão da OAB-São Paulo que presido – e que é constituída pelo seguintes juristas: Alberto Rollo, Alexandre de Moraes, Almino Affonso, André Ramos Tavares, Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, Cláudio Lembo, Dalmo Dallari, Dirceo Torrecillas, José Afonso da Silva, Maria Garcia, Ney Prado, Paulo de Barros Carvalho e Samantha Meyer Pflug – estamos estudando, a curto prazo, questões como o voto distrital, financiamento de campanha, reeleição, número de partidos, coligações, plebiscito ou referendo. E, a longo prazo, bicameralismo ou unicameralismo, parlamentarismo ou presidencialismo.
Todas estas matérias exigem reflexão de especialistas e de governantes, e, à evidência, por sua complexidade, não podem ser objeto de plebiscito, no máximo podendo aceitar-se um referendo.
O certo, todavia, é que, mais do que as reformas, há necessidade de mudanças na política econômica do país. Ninguém discute ser a presidente Dilma uma mulher honesta e trabalhadora. Todavia, seu estilo autoritário de conduzir o país torna seu Ministério não um Conselho mas um grupo de ouvintes de suas ordens. Sem nomes de expressão, como nos ministérios do passado, são seus colaboradores comportados executores, que jamais contrariam as determinações da comandante.
Talvez o fato de ter, no passado, participado da luta armada, em movimento que, algumas vezes, assumiu facetas terroristas – com assassinato de inocentes em atentados a bomba, em shoppings e supermercados – tenha incutido, no seu estilo de liderança, esta característica temperamental, detalhista e impositiva. Creio que, possivelmente, por este seu passado, é que a presidente se sinta tão atraída pelas posturas de seus colegas bolivarianos: o falecido Chávez, Maduro, Morales, Corrêa e Cristina, todos aprendizes de ditadores.
Tanto é assim que Dilma permitiu a entrada da Venezuela no Mercosul, apesar de esse país não ter aceito, à época, a totalidade do acervo normativo do Tratado, e excluiu o Paraguai, que, na deposição do presidente Lugo, apenas cumpriu o que determinava o artigo 225 de sua Constituição, ou seja, o afastamento por mau desempenho, em processo límpido, claro, com apoio popular e sem qualquer uso de força, permitindo, inclusive, que o deposto, logo em seguida, concorresse ao Senado. O governo desse país democrático não sofreu, nas ruas de suas principais cidades, grandes contestações por parte da sociedade, nem queda de popularidade, como a presidente Dilma tem experimentado, no Brasil. No Paraguai, não se controla o Judiciário como na Venezuela, que não permite sequer recontagem de votos, numa eleição em que a ínfima diferença de votos a favor do candidato bolivariano eleito justificaria que fosse feita, como ocorre nas verdadeiras democracias.
O certo é que a presidente Dilma, em virtude de suas simpatias bolivarianas, passou a seguir a política de seus colegas, tornando-se acólita de Cristina, Maduro, Morales e Corrêa. E começa a colher os mesmos frutos, ou seja, baixo PIB, alta inflação, descontrole cambial, protestos populares e perda de competitividade internacional por força da má condução da economia, amarrada pelo Mercosul, impedida de fazer acordos internacionais, aceitando todos os desaforos econômicos de seus parceiros, violadores permanentes das regras do Tratado de Assunção.
No seu estilo autoritário, investiu no consumo e não no desenvolvimento empresarial, gerando inflação de demanda, no momento em que estimulou a baixa de juros.
Quando Irving Fischer definiu que a teoria do juro é determinada pela oportunidade de investir contra a impaciência de gastar, quis mostrar que, quando se baixam os juros e se estimula o consumo, a inflação é decorrência. E o mero consumo, sem investimentos em tecnologia e na indústria, tem vida curta.
Não sem razão o retrocesso econômico do Brasil, nestes dois anos e meio do governo Dilma, foi notório, com a agravante de, prisioneira de seus colegas bolivarianos, ter feito o Brasil perder a autonomia e a liberdade na celebração de acordos bilateriais, que lhe permitiriam melhorar não só a performance da balança comercial como, pelo menos, reduzir o dantesco déficit do balanço de pagamentos.
No modelo bolivariano, a máquina governamental cresce e sufoca o segmento privado, gerando pressão inflacionária que, segundo Steven Webb, foi o principal fator da hiperinflação da República de Weimar.
Ora, a única forma de combater a inflação com redução de juros, seria reduzir as despesas de custeio da máquina administrativa, algo que, no modelo bolivariano, é impossível e, no governo Dilma, inaceitável. Tanto que tem 39 ministérios…
Neste quadro — em que o PIB decresce, a inflação cresce, o câmbio se descontrola, a máquina administrativa desperdiça, a balança comercial gera déficits e as contas externas se descompassam — causa espécie que a presidente pretenda manter-se fiel aos ideais dos regimes bolivarianos e continue a não perceber que está levando o país a um fantástico retrocesso, sendo mais conduzida por seus parceiros do Mercosul, do que pelos interesses do Brasil.
Como cidadão que considera a presidente Dilma uma mulher honesta e trabalhadora, gostaria que tivesse ela humildade de raciocinar e, analisando o fracasso de sua política econômica, decidisse, definitivamente, liberá-la das amarras ideológicas e passasse a cuidar dos verdadeiros interesses nacionais, que não são, necessariamente, aqueles acalentados pelos seus amigos, aprendizes de ditadores. E que, para o bem do Brasil, mudasse o rumo de seu governo.
* Ives Gandra da Silva Martins é jurista.
Fonte: JB