Alessandra Lessa [*]
Ao por fim à exigência de formação superior para o exercício do jornalismo no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou com a reserva de mercado? Além dos graduados em comunicação social, que outro profissional preferiria dedicar-se à atividade de imprensa ao invés de ater-se à sua formação e poder, com ela, obter lucratividade e satisfação bem maior do que aquela auferida por repórteres de jornais?
Eu, que me graduei em direito e jornalismo, vivo me questionando sobre quem – daqueles que se formaram comigo no curso de ciências jurídicas – toparia trabalhar incansavelmente em troca de um piso salarial que – a depender da região em que o jornal está instalado – paga a repórteres pouco mais que 800 reais por mês. Na área jurídica, algumas vezes, esse é o salário de um estagiário.
Talvez os outros bacharéis das ciências humanas gostariam de se aventurar nesta lida, por pura vontade ideológica, mas, ao perceberem que nas redações a veiculação dos textos depende da ideologia do dono do veículo, talvez, preferissem exercer a verve jornalística em blogs na internet, totalmente abertos à opinião e avessos à censura prévia.
Já os profissionais que durante a graduação tiveram pouco ou nenhum contato com a língua portuguesa, nem com assuntos de natureza político-social, encontrariam difíceis barreiras para se adequarem aos requisitos da atividade jornalística, optando, sem dúvida alguma, por publicar artigos científicos ou colunas como colaboradores.
Até mesmo alguns jornalistas de formação acadêmica querem mudar de profissão. Não é raro encontrar colegas graduados em Jornalismo – gente que já deixou de ser foca (jargão usado para denominar aqueles que se iniciam na carreira) – frustrados por não conseguirem alcançar nenhum dos objetivos que a profissão se propõe a realizar.
Como as redações de jornais estão esvaziadas de talento e criatividade – o que, do ponto de vista dos proprietários, pode até justificar os baixos salários – os jornalistas são pagos para fazer notícias que apenas narram os fatos sem desdobramentos. A ausência do jornalismo investigativo e da reportagem mina o ânimo dos profissionais que assistem ser usurpada a função social do seu trabalho.
Em Brasília, reduto dos escritórios políticos e assessorias de imprensa, jornalista que se dá bem não é aquele que trabalha para os grandes jornais do País, e sim, o que ingressa na carreira como assessor de órgãos administrativos, para ganhar salários que variam entre cinco mil e 40 mil reais.
Do lado de quem defende a exigência do diploma para o exercício do jornalismo, é ingênuo dizer, como o fez o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) Sérgio Murillo, que a decisão do Supremo substitui “a valorização do mérito pessoal de se procurar por uma escola de jornalismo” (…) “pela vontade do patrão, que vai decidir com base num talentômetro quem pode, ou não, ser jornalista”. Ora, mesmo sendo obrigatória a exigência do diploma, caberia ao dono do jornal dizer quem sai e quem fica. Não é a toa que grandes repórteres – que poderiam muito bem trabalhar em jornais de extensa circulação – fundam seus próprios espaços de mídia para contrariarem a estrutura de poder vigente nas redações.
Já a opinião de quem entende não ser necessária a formação em jornalismo abre lacunas que precisam ser preenchidas para o regular exercício da profissão e atendimento ao interesse público. Em que fase da formação de um advogado caberia inserir técnicas de reportagem que lhe ensinassem a ética que um bom repórter deve perseguir cotidianamente? Quem seria responsável por dar aos profissionais não oriundos da comunicação social um direcionamento sobre funções básicas da profissão? A quem caberia ensinar ao fisioterapeuta ou ao secundarista-repórter como escrever, como segurar o microfone, como abordar entrevistados, como analisar discursos, entre outras atividades prático-teóricas que hoje compõem o currículo dos cursos de graduação de jornalismo?
Com a decisão do STF, o debate sobre a necessidade do diploma para o exercício da atividade de imprensa não morreu. Mas precisa seguir outros rumos.
Até agora, a única instituição capaz de formatar um projeto de imprensa que seguisse uma orientação ético-profissional foi a universidade.
A partir desta decisão judicial, outras vozes devem se propor a orientar o candidato a jornalista sobre os limites a que deve se ater para o não ferimento dos demais princípios constitucionais que, ao lado da liberdade de expressão, configuram o maior orgulho de uma sociedade democrática. A meu ver, bem ou mal, com acertos e erros, é a universidade que continuará dando conta do recado.
[*] Alessandra Lessa é Graduada em Jornalismo e Direito pela Universidade Católica de Goiás, Diretora do Jornal Tribuna Universitária e do Jornal da Imprensa. Articulista Colaboradora da ABN NEWS